Não vou tanto ao Araguaia quanto desejaria. Mas daqui uns dias, lá irei eu, a desfrutar da paisagem que aprendi a amar desde os seis anos.
Tinha essa idade quando dois caminhões pararam em nossa porta para pegar os passageiros. Os motoristas eram Tonin e Zebim, e os passageiros, duas famílias: a de meu pai e a de Tio Carlos. Nós, os filhos, nos amontoamos na carroceria, junto com sacos de arroz, feijão, farinha, carne seca, e não tenho a menor ideia do que mais; os adultos e minha irmã Graça, de meses, nas boleias. Partimos na aventura que se tornaria inesquecível, imagino, para todos nós: conheceríamos o Araguaia. Que expectativa, que maravilha, que tremenda animação!
Muitos detalhes daquela viagem permaneceram comigo. Tonim e Zebim, os motoristas e guias, eram quase heroicos aos meus olhos de seis anos, sabiam o caminho, contavam casos, eram uma diversão. No rio, passamos para um batelão onde coubemos todos. Parávamos e acampávamos em praias de terra ou areia. Algumas cercadas de mato, e me lembro de uma onde, nas águas, eu e meus irmãos em fila seguíamos as pegadas do nosso pai: os maiores, provavelmente Lucia, agarrada à cintura dele; eu, a mais nova, no final da fila, agarrada à cintura de Flavio: em todos, o grande temor de pisar no ferrão de uma arraia. Comíamos peixes que Tonin e Zebim pescavam. Subíamos barrancos à beira do rio, e nos divertíamos com o que encontrávamos. E do que mais lembro é de uma praia de areia branquíssima, onde, um pouco antes do nascer do dia, Tia Maria me acordou para ver o nascer do sol. Aquela beleza de vários tons de amarelo e vermelho nascendo quase junto da areia e se erguendo no azul do céu puríssimo, creio que foi, talvez, a primeira consciência que tive de estar vendo uma maravilha.
Anos depois, quis dar aos meus filhos e a Felipe a visão dessa mesma beleza. Zé Gabriel e Galiana eram pequenos quando voltei ao Araguaia, dessa vez para a casa do meu irmão, também sobre um barranco de onde, que pena!, só se via o por do sol, claro que, belíssimo, mas para vê-lo nascer, era preciso ir para o outro lado. O barqueiro me despertou assim que a escuridão começou a se dissolver, e acordei Felipe e meus filhos, prometendo a eles uma visão que também nunca esqueceriam. Mas fomos para um lado onde, através das matas, mal vimos os dourados que, com o que me pareceu grande fraqueza, se erguiam distantes dali. Meus filhos, mordidos por mil mosquitos, a única coisa que desejavam era voltar para a cama. Creio que essa aventura frustrada, tenha sido, para eles, a primeira vez que tiveram consciência de que as promessas da mãe nem sempre podiam ser cumpridas.
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(Crônica publicada em O Popular, em 1 de julho de 2023)